martes, noviembre 23, 2010

falando do Brasil

Un pequeño fragmento, crítico e inteligente, de Jessé Souza:



O principal é que o Brasil é uma das sociedades complexas mais desiguais do planeta, porque entre 30% a 40% de sua população têm inserção precária tanto no mercado quanto na esfera pública. Existe toda uma “classe social”, nunca percebida enquanto tal no debate público — a não ser fragmentariamente enquanto temas soltos e sem relação entre si como “violência”, “desqualificação da mão de obra”, “insegurança pública”, “repetência escolar”, “criminalidade”, “transporte público”, “saúde pública”, etc. — que tende a reproduzir sua precariedade indefinidamente. Imaginam-se 500 problemas para não se ver o único problema efetivo que é a raiz e o núcleo de todos os outros. Fragmenta-se indevidamente a realidade e confundem-se as hierarquias das questões para não se ver o óbvio: que somos uma sociedade altamente conservadora e perversa que aceita conviver com uma porção significativa da sua população vivendo como “subgente”, com empregos precários e sem articulação política de seus interesses.

É esse fato, e não nenhum outro, o que verdadeiramente nos separa das sociedades política e moralmente mais avançadas do chamado “primeiro mundo”. Essa classe social, que chamamos provocativamente de “ralé”, num pais que eufemiza, nega e jamais discute seus conflitos de frente, é a mão de obra barata a serviço das classes média e alta que podem — contando com o exército de empregadas, faxineiras, moto-boys, porteiros, zeladores, carregadores, babás e prostitutas, para o serviço pesado e desvalorizado — se dedicar às ocupações rentáveis e com alto retorno em prestígio e reconhecimento. É isso que chamo de “desigualdade abissal” como nosso problema central. Os outros são “nuvens de fumaça” para que não se perceba o que é importante e o que hierarquicamente deveria vir primeiro.


O Bolsa Família é frequentemente apontado como um dos grandes trunfos do governo Lula. Qual sua avaliação sobre esse programa?

O bolsa família tem extraordinário impacto social, econômico e político, com investimento público relativamente muito baixo. É incrível que não se tenha pensado nisso antes. Mais incrível ainda que exista gente que é contra. Boa parte da dinamização do mercado interno brasileiro tem relação direta com o bolsa família, como tivemos ocasião de ver empiricamente em nossa última pesquisa, já no prelo, acerca da “nova classe média”, denominação, aliás, muito infeliz e que criticamos na pesquisa.

Por outro lado, o bolsa família não tem condições, sozinho, de reverter o quadro de desigualdade e “incluir” e “redimir” a “ralé” enquanto classe social precarizada em todas as dimensões. Esse é um desafio que tem que ser de toda a sociedade brasileira, que envolve processos de conscientização em todos os níveis. Muda-se uma sociedade quando esta “aprende coletivamente” e ascende a novos patamares de consciência moral e política, por exemplo, “se responsabilizando”, sem procurar bodes expiatórios fáceis, pelas mazelas sociais que produziu historicamente. Botar a culpa no Estado é fácil. Mas não existe ação estatal realmente efetiva sem conscientização social também efetiva e real.

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